segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

MANUEL BANDEIRA: NATALINO

POEMAS NATALINOS DE MANUEL BANDEIRA



Manuel Bandeira foi um dos poucos poetas que deixou mais de um poema com o tema: “Natal”. O Retalhos do Modernismo traz seis dos seus poemas com essa temática, deixando fora o “Alegria de Nossa Senhora” (uma composição inspirada no texto de oratório do poema de uma monja carmelita, como mencionado no aparte do próprio poema), por não estar inserido exclusivamente na temática, como também os poemas natalinos traduzidos pelo poeta.
Nos poemas Natal Sem Sinos, Versos de Natal e Natal, encontramos o poeta se retratando e traçando paralelos. Em Versos de Natal, por exemplo, Bandeira dialoga com o espelho - deixando subtendida a imagem do eu interior que o espelho não retrata, levando o leitor refletir a vida e tudo que construiu de sustentáculo desde a infância para toda sua existência. O poeta atrai o leitor a apoderar-se da infância.
Em Natal Sem Sinos, assim como em todos os poemas natalinos, Bandeira deixa evidenciado o eu lírico, induzindo o leitor na “comunhão lírica” do quotidiano e das lembranças de fatos vivenciados desde a infância. Vale ressaltar o colóquio de Gilda e Antonio Cândido na Introdução de Estrela da Vida Inteira, José Olympio Editora, RJ, 1988, p. lxii: “(...). O caráter acolhedor do seu verso importa em atrair o leitor para essa despojada comunhão lírica do quotidiano (...)”.
O objetivo desta postagem não é a análise dos poemas, mas simplesmente disponibilizá-los, em conjunto, para os diletos leitores deste Blog. Espero ter contribuído para que todos possam ler e refletir sobre a temática natalina. No final da postagem poderão encontrar o link de outra postagem do Retalhos (2009), com o texto O Peru de Natal, de Mário de Andrade.
Feliz leitura. Feliz Natal.

Luiz de Almeida
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               

Canto de Natal

O nosso menino
Nasceu em Belém.
Nasceu tão-somente
Para querer bem.

Nasceu sobre as palhas
O nosso menino.
Mas a mãe sabia
Que ele era divino.

Vem para sofrer
A morte na cruz,
O nosso menino.
Seu nome é Jesus.

Por nós ele aceita
O humano destino:
Louvemos a glória
De Jesus menino.

Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – Belo Belo. José Olympio Editora, 15ª edição, Rio de Janeiro, 1988 – p. 168.

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Versos de Natal

Espelho, amigo verdadeiro
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.

(1939)

Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – Lira dos Cinquent’ano. José Olympio Editora, 15ª edição, Rio de Janeiro, 1988 – p. 145.

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NATAL

Penso em Natal. No teu Natal. Para a bondade
A minh’alma se volta. Uma grande saudade
Cresce em todo o meu ser magoado pela ausência.
Tudo é saudade... A voz dos sinos... A cadência
Do rio... E esta saudade é boa como um sonho!
E esta saudade é um sonho... Evoco-te... Componho
O ambiente cuja luz os teus cabelos douram.
Figuro os olhos teus, tristes como eles foram
No momento final de nossa despedida...
O teu busto pendeu como um lírio sem vida,
E tu sonhas, na paz divina do Natal...
Ó minha amiga, aceita a carícia filial
De minh’alma a teus pés humilhada de rastos.
Seca o pranto feliz sobre os meus olhos castos...
Ampara a minha fronte, e que a minha ternura
Se torne insexual, mais do que humana – pura
Como aquela fervente e benfazeja luz
Que Madalena viu nos olhos de Jesus...

                                               (Clavadel, 1913)

Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – A Cinza das Horas. José Olympio Editora, 15ª edição, Rio de Janeiro, 1988 – p. 41.

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    PRESEPE

Chorava o menino.

Para mãe, coitada,
Jesus pequenito,
De qualquer maneira
(Mães o sabem...), era
Das entranhas dela
O fruto bendito.
José, seu marido
Ah esse aceitava,
Carpinteiro simples,
O que Deus mandava.
Conhecia o filho
A que vinha neste
Mundo tão bonito,
Tão mal habitado?
Não que ele temesse
O humano flagício:
O fel e o vinagre,
Escárnios, açoites
O lenho nos ombros,
A lança na ilharga,
A morte na cruz.
Mais do que tudo isso
O amedrontaria
A dor de ser homem,
O horror de ser homem,
- Esse bicho estranho
Que desarrazoa
Muito presumido
De sua razão;
- Esse bicho estranho
Que se agita em vão;
Que tudo deseja
Sabendo que tudo
É o mesmo que nada;
- Esse bicho estranho
Que tortura os que ama;
Que até mata, estúpido,
Ao seu semelhante
No ilusivo intento
De fazer o bem!
Os anjos cantavam
Que o menino viera
Para redimir
O homem - essa absurda
Imagem de Deus!
Mas o jumentinho,
Tão manso e tão calado
Naquele inefável,
Divino momento,
Ele bem sabia
Que inútil seria
Todo o sofrimento
No Sinédrio, no horto,
Nos cravos da cruz;
Que inútil seria
O fel e o vinagre
Do bestial flagício;
Ele bem sabia
Que seria inútil
O maior milagre;
Que inútil seria
Todo sacrifício...

Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – Belo Belo. José Olympio Editora, 15ª edição, Rio de Janeiro, 1988 – pp. 182/183.

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NATAL SEM SINOS

No pátio a noite é sem silêncio.
E que é a noite sem silêncio?
A noite é sem silêncio e no entanto onde os sinos
Do meu Natal sem sinos?

Ah meninos sinos
De quando eu menino!

Sinos da Boa Vista e de Santo Antônio.
Sinos do Poço, do Monteiro e da Igrejinha de Boa Viagem.

Outros sinos
Sinos
Quantos sinos

No noturno pátio
Sem silêncio, ó sinos
De quando eu menino,
Bimbalhai meninos,
Pelos sinos (sinos
Que não ouço), os sinos de
Santa Luzia.

                   
(Rio, 1952)

Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – Opus 10. José Olympio Editora, 15ª edição, Rio de Janeiro, 1988 – p. 199.

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A ANUNCIAÇÃO

Seis meses passados sobre
A angélica anunciação
Do nascimento de João, Santo filho de Isabel,
Baixou o arcanjo Gabriel
À Galiléia e na casa
Do carpinteiro José
Entrou e diante da virgem
Desposada com o varão
- Maria ela se chamava -
Curvou-se em genuflexão.
Dizendo com voz suave
Mais que a aura da manhã: "Ave,
Maria cheia de graça!
Nosso Senhor é contigo,
Tu bendita entre as mulheres".
E ela, vendo-o assim, turbou-se
Muito de suas palavras.
Mas o anjo, tranquilizando-a,
Falou: "Maria, não temas:
Deus escolheu-te, a mais pura
Entre todas as mulheres,
Para um filho conceberes
No teu ventre e, dado à luz,
O chamarás de Jesus;
O santo Deus fá-lo-á grande,
Dar-lhe-á o trono de Davi,
Seu reino não terá fim".
E disse Maria ao anjo:
"Como pode ser assim,
Se não conheço varão?"
E, respondendo o anjo, disse-lhe:
"Descerá sobre ti o Espírito
Santo e a virtude do Altíssimo
Te cobrirá com sua sombra;
Pelo que também o Santo
Que de ti há de nascer,
Filho de Deus terá nome,
Com ser filho de mulher,
Pois tua prima Isabel
Não concebeu na velhice,
Sendo estéril? A Deus nada
É impossível". O anjo disse
E afastou-se de Maria.
Como no extremo horizonte
A primeira, desmaiada
Celagem da madrugada,
Duas rosas transluziram
Nas faces da Virgem pura:
Já era Jesus no seu sangue,
Antes de, infinito Espírito
Mudado em corpo finito,
Se fixar em forma humana
na matriz santificada.

Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – A Estrela da Tarde. José Olympio Editora, 15ª edição, Rio de Janeiro, 1988 – pp. 212-214.

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No link abaixo: “O Peru de Natal”, de Mário de Andrade, postado em 2009:
http://literalmeida.blogspot.com.br/search?q=o+peru+de+natal