sábado, 17 de fevereiro de 2018

A VIA SACRA DE GUIGNARD



A VIA SACRA E A VIA-CRÚCIS DE GUIGNARD


 Guignard - Foto Acervo EBA-UFMG
 
A arte sacra é repleta de obras dos grandes artistas plásticos maneiristas, barrocos, góticos, renascentistas, expressionistas, impressionistas e modernistas. E, quando se faz referências, normalmente surgem os nomes de Giotto, Botticelli, Fra Angelico, Mantegna, Bellini, Correggio, Tiziano, Anton van Dyck, Grunewald, Tintoretto, Antonello, Velázques, etc.
Mas é importante saber que tivemos vários artistas brasileiros, pintores e escultores, que também poderiam ser mencionados, tais como: Antônio Francisco de Lisboa (Aleijadinho), Joaquim da Rocha, Frei Jesuíno de Monte Carmelo, Costa Ataíde, Teófilo de Jesus, Brecheret, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Portinari, Cláudio Pastro, etc.
Outro nome, pouco lembrado e que muito contribuiu para a grandeza da Arte Sacra nacional é Alberto da Veiga Guignard, o carioca&mineiro, nascido em Nova Friburgo (RJ) a 25 de fevereiro de 1896 e falecido em 26 de junho de 1962, em Belo Horizonte, deixou um vasto acervo, pouco conhecido. Suas pinceladas retrataram vários rostos de Cristo, São Sebastião, Santo Antônio e a Via Sacra (14 estações, óleo sobre madeira).
A Via Sacra de Guignard, “apesar de obedecer às 14 estações do martírio de Jesus estabelecidas pela iconografia litúrgica desde o final do século XVI, a série põe no lugar do culto de piedade presumido nos passos da paixão um sarcasmo doído, tragicômico, arrancado de formas esgarçadas, numa espessura mínima e aguada de tinta. O percurso é protagonizado por um Cristo agigantado, patético, longe do intuito de corroborar o enlevo e a devoção que a antiga representação sacra prevê. A pulsante experimentação cromática deste trabalho, com películas finas de vermelho, preto, roxo, amarelo, laranja, verde, azul etc., tem aqui um ponto alto das configurações abruptas e inesperadas que norteiam os últimos dez anos da trajetória do artista, inclinada, na maioria das vezes, a insinuar alterações constantes na ordem das coisas, do tumulto das nuvens, com pinceladas em caracol, às figuras repuxadas por linhas finas, entre o demoníaco e o enfermiço” (1).
Podemos verificar em várias obras de Guignard, principalmente nas obras sacras, sua “Via-Crúcis” – sua vida dolorosa. Nasceu com abertura total entre a boca, o nariz e o palato (lábio leporino). Ao completar 10 anos, o pai, a quem adorava, se suicidou com um tiro de fuzil. No ano seguinte, a mãe casou-se com um barão alemão e Guignard foi para a Europa. Devido o defeito, foi uma criança desnutrida e com sérios problemas de crescimento. Passou por várias operações para corrigir este defeito congênito durante a juventude, que resultou no fechamento parcial do lábio superior, mas não impediu a regurgitação de alimentos nem diminuiu a dificuldade para falar. Outro desastre na vida de Guignard foi seu casamento com a estudante de música, em Munique, Anna Doring, que, em plena lua de mel abandonou o artista. Sem recursos financeiros, viveu de empréstimos. Realizou várias telas e vendeu para seu sustento e principalmente suas bebidas. Reconhecido como artista, venceu e foi adotado por várias famílias abastadas de Minas, inclusive o presidente Juscelino Kubistchek, grande admirador do artista.
A Síntese Biográfica de Guignard poderá ser vista em:

“Guignard fixou-se morada em Minas Gerais. Pintou, desenhou, foi professor de pintura, participou de várias exposições e foi admirado por vários intelectuais, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Ismael Nery, Cícero Dias, Goeldi, Portinari, Cecília Meirelles e outros.
Guignard, em 1960, morando em Ouro Preto, foi para o Rio de Janeiro a convite do governador Sette Câmara. Lá pintou, em ritmo frenético, os 14 quadros que compõem a Via Sacra encomendada pelo governador para a Capela São Daniel, em Bonsucesso.
Ao ficar pronta, a “A Via Sacra” causou certa polêmica entre os padres quanto à forma usada por Guignard ao pintar Jesus Cristo. Afinal, foi colocada na capela, mas seu desconhecimento deve-se à localização, já que a capela ficava dentro de um conjunto habitacional, na época de acesso bem complicado. Quem viu, provavelmente não teve a dimensão exata da obra de Guignard. Pois para não serem danificados, os 14 quadros foram pendurados no alto da parede.
Por fim, os próprios padres, temendo danos, solicitaram que a Via Sacra fosse retirada. E os quadros voltaram aos verdadeiros donos, já que ao pintar, Guignard escreveu uma dedicatória atrás de cada quadro e assinou. De modo que a Via Sacra não foi doada à pequena capela e, sim, emprestada.
Todo esse processo provocou o desconhecimento das obras, expostas pela primeira vez. Para tanto, foi criado um espaço semelhante ao da capelinha redonda, especialmente para que os visitantes admirassem a Via Sacra” (2).
Na sequência a “A VIA SACRA” de GUIGNARD
















NOTAS
(1)          Ribeiro, José Augusto. Guignard e o ambiente artístico no Brasil nas décadas de 1930 e 1940. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, área de concentração Teoria, Ensino e Aprendizagem da Arte, linha de pesquisa História, Crítica e Teoria da Arte, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, pdf;
(2)          Daddario, Heloisa. O Reino de Guignard. Catálogo da Exposição: “O Humanismo Lírico de Guignard”. Museu Nacional de Belas Artes, RJ e Museu de Arte de São Paulo, SP, 2000 – p. 25.

Fontes Pesquisadas:
- Andrade, Alessandra Amaral. A Presença Feminina na “Escolinha do Parque”: Trajetórias de Vida de Ex-Alunas de Guignard. Dissertação Pós-Graduação. Universidade Federal de Minas Gerais, 2008;
- Amaral, Aracy A. Artes Plásticas na Semana de 22. Editora 34, São Paulo, 1998;
- Batista, Marta Rossetti; Lima, Yone Soares de. Coleção Mário de Andrade – Artes Plásticas. IEB/USP, São Paulo, 1984;
- Aulicino, Marcos Rodrigues. O Distante Próximo, o Próximo Distante: a elaboração de um espaço imaginário nas paisagens de Guignard. Tese de Doutorado – Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2007;
- Catálogo da Exposição: “O Humanismo Lírico de Guignard”. Museu Nacional de Belas Artes, RJ e Museu de Arte de São Paulo, SP, 2000;
- Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, por José Augusto Pereira Ribeiro, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, pdf;
- Morais, Frederico. Panorama das artes plásticas: séculos XIX e XX. Apresentação de Ernest Robert de Carvalho Mange. São Paulo: Instituto Cultural Itaú, 1989.
- Pousa, Fabrize Santos. As Artes Plásticas em Belo Horizonte, de 1918-1944: Aníbal Mattos e Seu Tempo. Estudo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, sd;
- Rosa, Rafael Vogt Maia. Inútil Paisagem. Seção Crítica – Artes Plásticas, da Revista Novos Estudos n.º 57 – Julho de 2000 – Págs. 177 a 181 – publicação do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Outras Fontes:
http://www.museuguignard.mg.gov.br – último acesso: fevereiro de 2018.

 Última atualização - 17/2/2018 - Luiz de Almeida