sábado, 16 de fevereiro de 2008

A SEMANA DE ARTE MODERNA:- "86 ANOS"

FEVEREIRO DE 2008 – FEVEREIRO DE 1922:
A SEMANA DE ARTE MODERNA COMPLETA 86 ANOS
Luiz de Almeida

Cartaz da Semana - Obra de Di Cavalcanti


A Semana de Arte Moderna foi aberta num sábado, dia 11 fevereiro de 1922. Até o outro sábado, dia 18, o Teatro Municipal de São Paulo foi o palco de uma exposição de arte. Na segunda-feira, dia 13, Graça Aranha realiza a conferência “A Emoção Estética na Arte Moderna”, ilustrada com música executada por Ernani Braga e poesia por Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho. Antes da Conferência de Ronald de Carvalho: “A Pintura e a Escultura Moderna no Brasil”, apresentação de Música de Câmara: com Villa-Lobos, “Sonata II”, para violoncelo e piano, com Alfredo Gomes e Lucília Villa-Lobos; “Trio Segundo” para violino, violoncelo e piano, com Paulina d’Ambrósio, Alfredo Gomes e Fructuoso de Lima Viana. Após a Conferência de Ronald de Carvalho, reinicia o festival de música com: solos de piano por Ernani Braga como também apresentações de Octeto (Três danças africanas): “Farrapos”, “Kankukus” e “Dankikis”, com a participação de Paulina d’Ambrósio e George Marinuzzi (Violinos), Alfredo Gomes e Alfredo Corazza (Violoncelos e Baixo), Pedro Vieira (Flauta), Antão Soares (Clarinete), Fructuoso de Lima Viana (Piano) e Orlando Frederico (Violino alto).
Quarta Feira, dia 15, foi o dia do Segundo Festival. Na primeira parte aconteceu a Palestra de Menotti del Picchia, ilustrada com poesias e trechos de prosa por Oswald de Andrade, Luís Aranha, Sérgio Milliet, Tácito de Almeida, Ribeiro Couto, Mário de Andrade, Plínio Salgado, Agenor Barbosa e dança com Yvonne Daumerie. Após a palestra de Menotti e das declamações e leituras de poesias (quando aconteceram vaias e até latidos pelo público presente), Guiomar Novaes apresenta Solos de piano. Antes da palestra de Renato Almeida: “Perennis poesia”, Mário de Andrade realiza uma palestra no saguão no Teatro – (segundo os pesquisadores, Mário de Andrade palestrou, falou, falou, mas ninguém ouvia, pois o público sapateou, assobiou, grunhiu, gritou... Existe um relato de Mário de Andrade dizendo que o barulho era tamanho que ele não conseguia escutar o que tentava Paulo Prado dizer-lhe, sentado na primeira fileira). Anos depois da Semana, relembrando os acontecimentos daquele dia de fevereiro, Oswald de Andrade falou de sua experiência na ocasião:
“No palco nos alinhamos Menotti Del Picchia, eu, Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Ronald de Carvalho, o poeta suíço Henrii Mugnier e Agenor Barbosa. A tela subiu e vi que o teatro estava repleto. Menotti, de pé, iniciou a apresentação dos novos escritores, aproveitando o primeiro silêncio. Ouviram-no atenciosamente até o fim. Aí, disse ele, apontando-me, que para dar um exemplo do que era a prosa nova, ia eu ler um trecho de romance inédito. Eu levava comigo umas laudas contendo uma página evocativa de ‘Os Condenados’, que na tinha de excessivamente moderno ou revolucionário. Mas a pouca gente interessava o que eu ia ler e apresentar. O que interessava era patear. Apenas Menotti se sentou e eu me levantei e o Teatro estrugiu numa vaia irracional infame. Antes mesmo d’eu pronunciar uma só palavra. Esperei de pé, calmo, sorrindo como pude, que o barulho serenasse. Depois de alguns minutos isso se deu. Abri a boca então. Ia começar a ler, mas a pateada se elevou, imensa, proibitiva. Nova e calma espera, novo apaziguamento. Então pude começar. Devia ter lido baixo e comovido. O que me interessava era representar o meu papel, acabar depressa, sair se possível. No fim quando me sentei e me sucedeu Mário de Andrade, a vaia estrondou de novo. Mário, com aquela santidade que às vezes o marcava, gritou: ‘Assim não recito mais!’. Houve grossas risadas”.

Teatro Municipal de São Paulo - Foto déc. XX


Segundo ainda os historiadores da Semana, o momento de maior estardalhaço ocorreu quando Ronald de Carvalho disse o poema “Os Sapos”, de Manuel Bandeira (que não pôde estar presente no evento).
No dia 16 de Fevereiro (hoje, 16 de fevereiro de 2008 faz 86 anos), o jornal ‘Folha da Noite’ publicou a seguinte matéria:

São Paulo, 16/2/1922

Foi, como se esperava, um notável fracasso, a récita de ontem da pomposa Semana de Arte Moderna, que melhor e mais acertadamente deveria chamar-se Semana de Mal – às artes. O Futurismo tão decantado não é positivamente de futuro... No presente, diante da ignorância de tal semana por parte da sonolenta sociedade, ainda é possível que dê alguma coisa; depois, porém, de conhecer a droga, ninguém penetrará a botica em que foi transformado o Municipal, agora muito em voga com o caso do Sr. Nilo, que foi representado pelo poderio dos futuristas... Mas, no recital cabotiníssimo de ontem, foi tudo derrocado ou quase tudo. Pondo-se de parte a nossa excepcional patrícia, quem interpretou sob protestos, aliás, trechos do pré-homem, o resto foi um atestado eloqüente e incisivo da morbidez teratológica de que nos falou ontem Pinto Serva.
A sonolenta sociedade paulista foi sacudida duas vezes do seu torpor de atraso: uma, para vibrar com Guiomar Novaes, e outra, com mais intensidade ainda, quando soube repelir o cabotinismo.
De tudo quanto vimos e observamos do tal Futurismo, metidos sempre no nosso atraso mental, deduzimos que os modernistas possuem uma coisa: topete, muito topete, e tanto assim que já se anuncia para amanhã uma exibição teratologista.

Segue o poema de Manuel Bandeira "Os Sapos" - lido no Festival da Semana de Arte Moderna de 1922 por Ronald de Carvalho.

OS SAPOS

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– "Meu pai foi à guerra!"
– "Não foi!"– "Foi!"– "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
– "Meu pai foi rei!" – "Foi!"
– "Não foi!"– "Foi!"– "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
– "Sei!"– "Não sabe!"– "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo cururu
Da beira do rio...

Na sexta-feira, 17 de Fevereiro, aconteceu o terceiro Festival com apresentações musicais: “Trio Terceiro”, de Villa-Lobos – para violino, violoncelo e piano, com Paulina d’Ambrósio, Alfredo Gomes e Lucília Villa-Lobos; Canto e Piano por Maria Emma e Lucília Villa-Lobos; “Historietas”, de Ronald de Carvalho e “Sonata II” para violino e piano, com Paulina d’Ambrósio e Fructuoso de Lima Vianna. O encerramento da terceira noite de Festival foi com: Solos de piano por Ernani Braga e “Quarteto Simbólico” (impressões da vida mundana) – flauta, saxofone, celesta e harpa ou piano com vozes femininas em coro oculto, com Pedro Vieira, Antão Soares, Ernani Braga e Fructuoso de Lima Vianna.
A Semana de Arte Moderna, que teve seu encerramento no sábado, dia 18, apresentou durante toda semana: exposição de pintura com telas de Anita Malfatti, Ferrignac, J. F. de Almeida Prado, John Graz, Martins Ribeiro, Vicente do Rego Monteiro e Zina Aita; escultura, com obras de Victor Brecheret e W. Haarberg; arquitetura, com apresentações de projetos de Antônio Moya e Georg Przyrembel.
A esses, René Thiollier acrescenta ainda a apresentação de obras de: Di Cavalcanti, Oswaldo Goeldi e Regina Graz, esposa de John Graz (na pintura), e Hildegardo Leão Velloso (na escultura).
Aracy Amaral, historiadora da arte, acrescenta ainda a presença não catalogada de Antônio Paim Vieira, que teria sido co-autor de trabalhos com J. F. de Almeida Prado (que mais tarde adotaria no nome de Yan de Almeida Prado). Segundo ela, Regina Graz não participou da Semana.
Como verificado, além dos eventos citados, o que mais houve durante a Semana foram as apresentações musicais. A dança esteve representada pela bailarina Yvonne Daumerie – contrariando totalmente muitos historiadores e até mesmo deduções distorcidas dos que afirmavam e davam entender que a Semana de 22 teria sido predominantemente Literária.
Para as três noites de festival, dias 13, 15 e 17, foram vendidos: assinaturas (186 mil-réis) e ingressos avulsos (20 mil-réis).
É incrível, mas, 86 anos passados e até então, dependendo da audácia dos novos pesquisadores, ainda são descobertos novos nomes de participantes, desmentidos outros participantes, novas agitações e novos acontecimentos pertinentes à Semana de Arte Moderna – sem considerarmos as descoberta de novos reflexos e conseqüências para as Artes e seus seguimentos, para a cultura paulista e brasileira.

Fontes Pesquisadas:
- Alambert, Francisco: A Semana de 22 – A Aventura Modernista no Brasil – Editora Scipione, 2ª Ed. - 1994;
- Amaral, Aracy. Artes Plásticas na Semana de 22. Editora 34, 5ª Ed. (Revista e Ampliada), 1998;
- Boaventura, Maria Eugênia (Org.). 22 Por 22 – A Semana de Arte Moderna Vista Pelos Seus Contemporâneos – Edusp, 1ª Ed. - 2000;
- Bosi, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. Editora Cultrix, s.d.;
- Brito, Mário da Silva. Poetas Paulistas da Semana de Arte Moderna – Editora Martins, 1972;- Camargos, Márcia. Paulicéia – Semana de 22 Entre Vaias e Aplausos – Boitempo Editorial, 1ª Ed. – 2002.

(Texto elaborado por Luiz de Almeida - Acervo do Material Didático da Exposição Retalhos do Modernismo - 16/2/2008).

3 comentários:

  1. Olá, caríssimo amigo Luiz...

    Não poderia nunca deixar seu blog depois das maravilhas que li sem registrar aqui meus mais sinceros elogios.

    Vc sabe que sou suspeitíssima para falar, afinal sou sua fã nº1, mas preciso dizer que este espaço está excelentíssimamente bem construído. Que pesquisa maravilhosa, que tema excepcional, quanta riqueza nos detalhes!

    Vc é um gênio, parabéns! :)

    Um grande beijo.

    ResponderExcluir
  2. Oi, Luiz. Acabo de vir aqui buscar o poema Os Sapos para uma avaliação...claro que darei as devidas referências aos seu sítio...

    Abs do Lúcio Jr.

    ResponderExcluir
  3. Dileto Lúcio:
    É uma satisfação saber que o Blog Retalhos do Modernismo está cumprindo com seus objetivos. Isso é bom demais. Tua presença aqui e Teu depoimento só enriquecem e proporciona ânimo para continuar com a tarefa de postar aqui algo relevante da nossa Literatura.
    Obrigado pela visita e pela utilização.
    Abraços e:
    ESTEJA E SEJA E FIQUE FELIZ!
    Luiz de Almeida

    ResponderExcluir