quinta-feira, 5 de junho de 2008

MÁRIO DE ANDRADE:- "EPISTOLÓGRAFO"

O TALENTO EPISTOLAR DE
MÁRIO DE ANDRADE
Luiz de Almeida



Chártes, do grego – charta, pelo latim. Para nós, talvez até mesmo antevendo a crítica que faria Mário de Andrade e com a morte do latim, o “h” foi eliminado e nos restou: “carta”. É um substantivo feminino que implica: comunicação ou mensagem manuscrita ou impressa, endereçada a uma ou várias pessoas ou a uma organização, narrando algo. Essa é a definição técnica encontrada em qualquer bom dicionário. Nada mais que óbvia.
Os dicionários também trazem suas variantes ou variações, como preferir: missiva, epístola. É comum, ao perguntar a um aluno a definição de epístola, imediatamente vem como resposta: são os escritos que os apóstolos e discípulos de Cristo escreveram e estão na Bíblia. Resposta correta, mas simplista em demasia. Se perguntar sobre missiva... hummmm, aí o bicho pega. Nem todos sabem.
Bem, voltando ao dicionário iremos encontrar que missiva é substantivo feminino de missivo. Ora, ora... O que é então, missivo? É um adjetivo: é aquilo que se remete. Ah, remete é do verbo remeter, que significa: “fazer seguir (algo) para determinado lugar, enviar, expedir, mandar”.
Então, missiva, também substantivo feminino, nada mais é que uma carta, ou até mesmo um bilhete que se manda a alguém. (apesar de que acho o fato de chamar um bilhete de missiva é até pejorativo – isso é coisa minha e ninguém é obrigado aceitar).
Outra resposta, esta não muito comum, mas totalmente possível, caso pergunte: "quem escreve carta é um?" O estudante escrever: carteiro ou cartomante. Já ouvi isso, se minha velha memória não estiver com um dos chips defeituosos, num programa de televisão onde são ou eram apresentadas as barbáries encontradas nas planilhas dos vestibulares. Tudo é possível. No sentido jocoso a resposta correta é: epistoleiro (que é também aquele que escreve muitas cartas). O correto seria: Missivista (que é a pessoa que escreve cartas) ou até mesmo: “a pessoa que leva missivas ou cartas; portador de missivas". E como fica o “carteiro”? Está errado? Não. Carteiro (um substantivo masculino) que significa “pessoa encarregada de distribuir cartas, correio". Antigamente eram os estafetas, aqueles que se utilizavam do cavalo para distribuir as cartas aos destinatários. Independente de ser um carteiro, tinha que ser um cavaleiro, e dos bons.
Quando falamos em missivista, entramos diretamente no nosso assunto pauta deste texto: "Mário de Andrade" foi e ainda é o maior literato missivista do Brasil. No dialeto caipira essa afirmativa seria escrita mais ou menos assim: “O sinhozinho Mário de Andrade foi e inda é o mais maior homi das escrita iscrivinhador de cartas do Brasil”.
O bom missivista pratica a “epistolografia”, que é a “arte” ou “técnica” de escrever cartas. O bom missivista, aquele indivíduo que pratica ou cultiva a epistolografia, aquele que escreve epístolas, que é autor de cartas ou missivas “notáveis”, seja pelo valor literário, seja pelo valor histórico é chamado de Epistológrafo (que é um substantivo masculino, que é a junção de “epístola (-a+o) + grafo (derivado do grego: gràfõ = escrever).
E como fica a epístola? Epístola é derivação por extensão de sentido: carta, correspondência, missiva, carta de um autor antigo ou ainda, correspondência entre autores célebres. Na Literatura nada mais é que: composição poética em prosa ou verso de temática variada, composta em feitio de carta – são cartas e temáticas estéticas trocadas entre escritores – exatamente onde queríamos chegar: MÁRIO DE ANDRADE.
Segundo os historiadores Mário de Andrade deve ter escrito mais de 3.500 cartas. Sabe o que significa isso? Aproximadamente uma média de 9,5 cartas por dia, se fosse considerar um ano: (365 dias). Mas Mário de Andrade passou a vida escrevendo cartas. Só para Manuel Bandeira foram centenas. Centenas que estão arquivadas. Imaginemos quantas foram perdidas, rasgadas, desconsideradas. O próprio Mário, em vários depoimentos afirma que escreveu cartas e depois de lê-las, não gostou e... acabou rasgando-as.
O que interessa é a importância das cartas desse epistológrafo que, segundo a maioria os historiadores e pesquisadores literários, independente de ter havido a possibilidade de definir vários tópicos da história da nossa literatura, essas cartas chegaram a mudar conceitos e temáticas literárias. Com Manuel Bandeira, discutiam através das cartas a colocação de termos, corte de palavras, de parágrafos em seus textos. Com Anita Malfatti, independente das cartas íntimas de supostas declarações de carinho e afetividade, chegaram a discutir estilos e formas nas artes plásticas. Com outros discutiram e trocaram idéias e conceitos a respeito de estética e sobre o movimento modernista. Escreveram sobre política, sobre livros e escritores bons, médios e ruins. Houve desabafos, reclamações, ilustrações, prefácios para livros e muitos outros assuntos que, se não lermos carta a carta não conseguiremos entender a importância das cartas de Mário de Andrade para a literatura, para o Movimento Modernista e até mesmo, para as decisões de títulos de livros, artigos, capas, editores, suplementação de textos, decisões de viagens, compras de livros, de obras de arte, pagamento e atraso de pagamentos de aquisições de obras, brigas entre os amigos e os "supostos" amigos, entrega de quem fez isso ou aquilo, e por que não dizer, opiniões para um ou outro deixar de escrever e procurar outra atividade.
Enfim, foram cartas. E em cartas, atualmente uma boa parte substituídas pelos e-mails, surgem temas dos mais variados.
O IEB – Instituto de Estudos Brasileiros, após a abertura das cartas de Mário de Andrade, 50 anos após sua morte, como ele próprio havia recomendado, num trabalho espetacular comandado e orientado pela musa contemporânea da vida de Mário de Andrade, Telê Ancona Lopez, arregimentou e catalogou e arquivou 1.130 cartas onde Mário de Andrade é o Remetente. Resolvi assim, para os visitantes do blog RETALHOS DO MODERNISMO, expor essa relação do IEB, em ordem alfabética e com as quantidades das cartas que Mário enviou para cada um. Poderemos verificar que, para uns, Mário escreveu apenas uma vez, mas outros ele foi um missivista costumaz.
Deixando de mais delongas, apreciemos esse trabalho fundamental para a literatura nacional, cuidadosamente elaborado pela equipe do IEB, sob a coordenação dessa mulher que conhece mais Mário de Andrade que o próprio Mário: Telê Ancona Lopez.
1 - Ademar Vidal - 20
2 - Alberto Lamego - 12
3 - Alceu Amoroso Lima - 17
4 - Alphonsus de Guimarães Filho - 17
5 - Álvaro Lins - 17
6 - Álvaro Moreira - 1
7 - Amadeu de Queiroz - 2
8 - Anita Malfatti - 34
9 - Antônio Cândido - 2
10 - Ascenso Ferreira - 16
11 - Atos Damasceno Ferreira - 1
12 - Augusto Meyer - 20
13 - Bernardo Elis - 1
14 - Bruno Giorgi - 1
15 - Camargo Guarnieri - 3
16 - Cândido Portinari - 57
17 - Carlos Drummond de Andrade - 78
18 - Carlos Lacerda - 1
19 - Cecília Meireles - 7
20 - Dantas Mota - 2
21 - Dante de Laytano - 6
22 - Ênio de Freitas e Castro - 1
23 - Fernando Sabino - 23
24 - Francisco Mignone - 4
25 - Graça Aranha - 1
26 - Guilherme Figueiredo - 34
27 - Guilhermo de Torre - 1
28 - Gustavo Capanema - 23
29 - Henriqueta Lisboa - 41
30 - Hilde Kowsmann - 1
31 - J. A. Cavalcanti de Albuquerque - 1
32 - Jaime Adour da Câmara - 1
33 - João Etiene Filho - 9
34 - João onde - 1
35 - Joaquim Inojosa - 6
36 - Jorge Amado - 1
37 - Jorge de Lima - 2
38 - Jorge Fernandes - 1
39 - José Carlos Lisboa - 1
40 - José Osório de Oliveira - 3
41 - Lasar Segall - 1
42 - Luís da Câmara Cascudo - 56
43 - Luís Heitor Correa de Azevedo - 11
44 - Luís Martins - 2
45 - Mansueto Bernardi - 1
46 - Manuel Bandeira - 127
47 - Moacir Werneck de Castro - 17
48 - Moisés Velinho - 1
49 - Murilo Miranda - 90
50 - Murilo Rubião - 9
51 - Newton Freitas - 24
52 - Nini Duarte - 5
53 - Oneida Alvarenga - 70
54 - Osvaldo Elias Xidieh - 2
55 - Paulo Duarte - 37
56 - Paulo Prado - 1
57 - Paulo Ribeiro de Magalhães - 1
58 - Pedro Nava - 10
59 - Prudente de Moraes neto - 38
60 - Rodrigo Melo Franco de Andrade - 90
61 - Rosário Fusco - 8
62 - Roseta Costa Pinto - 1
63 - Rubens Borba de Moraes - 7
64 - Sansão Castelo Branco - 1
65 - Sérgio Buarque de Holanda - 1
66 - Sérgio Milliet - 27
67 - Sérgio Olindense - 5
68 - Souza da Silveira - 2
69 - Tarsila do Amaral - 13
70 - Valdemar
de Oliveira - 2
TOTAL = 1.130
Não tenho jeito para memórias. Mas as cartas são sempre uma espécei de memórias desque tenham alguma coisa mais objetiva e nuclear que arroubos sentimentais sobre o espírito do tempo. E as memórias em carta têm um calor de veracidade maior que o das memórias guardadas em segredo par revelação secular futura. É que o amigo que recebe as cartas pode controlar os casos e as almas contadas.
Mário de Andrade
(Carta a Ségio Milliet, de 20-VI-1940)
REFERÊNCIAS:
- Andrade, Carlos Drummond & ANDRADE, Mário de. Carlos & Mário. Org. e notas de CDA e Silviano Santiago. RJ - Bem-Te-Vi, 2002.
- Andrade, Mário de. Cartas a Anita Malfatti (1921-1939). Edição preparada pela saudosa Marata Rossetti Batista. SP - Forence Universitária, 1989;
- Andrade, Mário de & Bandeira, Manuel. Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. Org. Marcos Antonio de Moraes. EDUSP/IEB - SP. 1ª Ed. 2000;
- Andrade, Mário de & Amaral, Tarsila do. Correspondência Mário de Andrade & Tarsila do Amaral. Org. Aracy Amaral. EDUSP/IEB - SP. 1ª Ed. 2001;
- Castro, Moacyr Werneck. Mário de Andrade - Exílio no Rio. Ed. Rocco - RJ - 1989;
- Ionta, Marilda. As Cores da Amizade - Cartas de Anita, Oneyda Alvarenga, Henriqueta Lisboa e Mário de Andrade. Annablume Editora - SP - 1ª Ed. 2007;
- Moraes, Marcos Antonio. A Epistolografia de Mário de Andrade e seu Projeto Pedagógico - s/d;
- Site do Instituto de Estudos Brasileiros - IEB.

Um comentário:

  1. Muito interessante! Fez-me pensar em quanto perdemos com as modernidades. Escrevemos apenas bilhetes e, ainda por cima, eletrônicos que não duram nem 50 dias. Dá uma tristezinha.

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