sexta-feira, 20 de junho de 2008

MANUEL BANDEIRA - HOMENAGEM A MÁRIO DE ANDRADE

VARIAÇÕES SÔBRE O NOME DE MÁRIO DE ANDRADE
Manuel Bandeira


Mário:


Inteligência
Sabor
Surpresa


As neblinas paulistas condensaram-se em ácidos sarcásticos
E queimaram a epiderme azul dos aços virginais.
Mas nas sombras mais fundas ficaram os docementes dos nanquins mais melancólicos!...

Como será São Paulo ?...
O Paraná com pinhais intratáveis ?
(Não servem para uma exploração regular da indústria do papel.)
Goiaz? A ilha do Bananal ?
Matas úmidas que são como os seios do nosso amor...
Mas os índios? Os mosquitos ?
Os botocudos e os borrachudos...
Como será o Brasil ?...

Como será São Paulo ?...

São Paulo era a Sé Velha
Cercada de sobradinhos coloniais...
Na rua de S. João a escala cromática dos pára-sóis dos engraxates.
Progrédior. Politeama.
A Casa Garraux vendia também objetos de arte.
Camilo Castelo Branco não sabia ainda da existência dos piraquaras do Paraíba.
Não havia ainda Vasco Porcalho, livreiro-editor, encomendando a todo mundo uma novela safada.
Havia, sim, a Avenida Tiradentes, espaçada como um feriado nacional.
E o edifício Liceu pedindo baixinho que o deixassem em tijolo aparente.
(Lá dentro , eu desenhando a bico de pena motivos arquitetônicos do Renascimento...
As minhas arquiteturas corruídas!...)
Duas vêzes por semana música no jardim da Luz.
A banda do maestro Antão!
(A primeira da América do Sul).
(Bis! Bis!).
O namorozinho nacional passeando cheio de dengue entre os zincos lambuzados de cerveja.
Não havia guaraná, bebida depurativa e tônico-refrigerante (seguem-se os atestados médicos).
Quem fazia o policiamento era a torre da Inglêsa.
O relógio grande batia os quartos, um, dois, três, quatro, e o recomeçava indefinidamente, sem compreender como aquela gente podia ainda ouvir Puccini.
E em tôrno dêle a garoa paulista, irônica, silenciosa, encharcava todos os segundos...
Mas as garoas condensaram-se em ácidos sarcásticos
E queimou a epiderme azul dos aços virginais!...
Mário de Andrade !

Como será São Paulo ?

Não havia mais bandeirantes.
Nem a lembrança de Álvares de Azevedo.
O antigo Largo de S. Bento com as árvores nuas e magrinhas
Pedia tanto um pouco de neve que lhe desse um arzinho de Paris...
Os filhos de Bernardino de Campos faziam parte do "cordão".
Nem Teatro Municipal nem Esplanada-Hotel.
Só havia um viaduto.
Anhangabaú dos suicídios passionais !...
Ponte Grande !
Cambucí !
E o cemitério da Consolação...

Mário, um cigarro !
O punho forte do subconsciente campeia e conjuga os relâmpagos mais díspares.
Os ritmos mais dissolutos.
Raivas.
Testamentos de Heiligenstadt
Amores. Fantasmagorias. Carnavais. Porrada.
Coisas absolutamente incompreensíveis.
Como as obras de Deus.
Dinheiro. Bonde, Café. Cigarro.
Inteligência. Afeto.
Raivas. Raivas.
MAIS RAIVAS.
Bondade.
A girândola do último dia de novena!
Tudo. Para todos os lados.
Católico.

Mário, um cigarro!
Positivamente esta quarta-feira está cotidiana demais.
O leite da manhã tinha mais água.
O sol está banal como uma taça de campeonato.
Eu não sei latim.
Não sei cálculo diferencial e integral.
Não sei tocar piano (por causa de uma sonatina de Steibelt!...)
Não compreendo absolutamente nem Fichte, nem Schmelling, nem Hegel.

Victor Hugo é pau.
Byron é pau.

Mário, um cigarro !
CAPORAL LAVADO !

Numa pia de igreja em Bizâncio estava gravada a frase:

NI(PS) ONANOMHMATAMHMONO.... (PS)IN
Lida da direita para a esquerda recompõe o mesmo sentido:

LAVA OS PECADOS NÃO LAVES SÓ A CARA
Mário, êles não lavam nem os pecados nem a cara !
Os homens são horríveis.
Por isso - HÁ QUE OS AMAR.
Com os docementes dos nanquins mais melancólicos.
(As categorias gramaticais são artifícios didáticos)

Ale guap, guap, guap !
Ale guap, guap, guap !
Hurra !
Hurra !
Os brasileiros bateram os paraguaios por 2 a 0.
Pennafort é um assombro !
(Impossível fazer poesia no Brasil sem falar em foot-ball).

Brasil...
Como será o Brasil ?...
E como será São Paulo ?...

- MÁRIO DE ANDRADE

(Fonte de Pesquisa: Revista do Arquivo Municipal CVI - Prefeitura Municipal de São Paulo - Departamento Municipal de Cultura - 1946 - Terceiro Texto da Edição Janeiro e Fevereiro - Homenagem a Mário de Andrade - Diretor Franciso Pati)

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Olá, Luiz!
    Teu blog é uma fonte preciosa de fruição e pesquisa.

    Parabéns pelo belo trabalho.

    Forte abraço,
    Taninha

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  3. Prezado amigo Luiz (que começo convencional!)... Meu amigo Lula:
    a sua descoberta é ouro legítimo e puro. Eu (e desconfio que a torcida do Sport Club do Recife) desconhecia esse poema de Bandeira. Poema bonito, maduro, digno de suas melhores produções. Homem, você fez uma descoberta de valor. Divulgue mais e mais. Esse poema devia estar na antologia de Bandeira. Diria até: nele há uma construção que influenciou Drummond. Sinto ecos desse poema no Edifício Esplendor, por exemplo. Abração, rapaz.

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  4. Meu amigo Luiz, retifico o meu entusiasmo. A descoberta foi para mim. Eu desconhecia o poema. O impacto que recebi dele é que foi um alumbramento. Abração.

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