domingo, 13 de julho de 2008

FRANCISCO ALAMBERT: SÉRGIO MILLIET E MÁRIO PEDROSA

MILLIET - PEDROSA
APROXIMAÇÕES RUMO À AÇÃO SOCIALIZADORA
DA ARTE
Francisco Alambert

I

Em 1949, Sérgio Milliet anotava em seu Diário Crítico um encontro com Mário Pedrosa em Paris. Dizia o seguinte:

“Mário Pedrosa, que encontro chegando do Brasil e já instalado em St. Germain, afirma que aquele velhinho à frente de um copo de vinho no café da esquina, ali se acha há dez anos. Viu-o em 1937, em 1946 igualmente e o torna a ver agora. Pela praça passaram os tanques alemães, diante da igreja um obus caiu. Houve frio e fome e metralhadoras varreram as cercanias, mas o homem ali continua naturalmente, sem nenhuma intenção de heroísmo. Só porque acredita na vida. E há vida nesse lugar, nessa praça, nessa cidade. Não compreende sequer que possa existir outra coisa, não pensa em emigrar, em bater à porta da aventura, em correr atrás da estrela matutina. Por entre suas pálpebras enrugadas brilha uma nesga azul de admirável serenidade”(1).

Mário Pedrosa

Como se vê, Milliet tomou o olhar de Pedrosa e, junto com ele, parte de sua sensibilidade também. Na verdade, faz sua a observação do outro. Em comum, vemos uma atenção para a história vista nas ruas. Histórias de pessoas “comuns” diante da História incomum e bárbara do século que ainda nem entrara em sua metade.
Que espanto teria causado a Pedrosa a imagem daquele homem parado, resistindo em seu lugar, a ponto de lhe chamar a atenção e relatar ao amigo a cena vista? Não conheço resposta nos escritos e memórias de Mário Pedrosa, mas intuo que se espantaria com a imobilidade e a escolha desse velho em ficar, pois Pedrosa nunca assumiu para si tal postura, ele que esteve sempre em movimento, desde os tempos de juventude e militância comunista, depois trotskista, justamente contra a história que aquele parisiense viu resignado e altivo passar diante de sua praça. Mario Pedrosa foi sempre um homem e um crítico de ação. Tampouco Milliet, que foi e veio tantas vezes. E fez desse ir e vir uma prática e uma visão de mundo: um ceticismo peculiar e crítico, um “ato crítico”, como definiu certa vez Antonio Candido, que o singularizou na história de nossa crítica cultural (2).
Também Milliet foi sempre um homem e um crítico de ação, mas sua idéia de ação e de crítica nem sempre coincidiu com a de Mario Pedrosa. Para muitos, eles poderiam até ser vistos como antípodas na história da crítica de arte no Brasil. Mas a “nesga azul de admirável serenidade” do olhar daquele velho resistente parisiense sugere que essa separação não é assim tão óbvia nem muito menos verdadeira. É mesmo decisivo para se compreender a história da crítica de arte, da arte e mesmo dos intelectuais e militantes brasileiros, saber balancear e compreender as posições, as aproximações e distanciamentos destes que foram os dois mais importantes críticos de arte do Brasil desde o Modernismo.
Este ensaio vai aproximar estes dois críticos que são normalmente vistos como opostos, sobretudo a partir do debate sobre o abstracionismo. Creio que essa oposição é discutível e foi claramente criticada pelos próprios autores. Para isso, vou seguir dois textos de Sérgio Milliet comentando aspectos da obra de Mario Pedrosa, mostrando onde se aproximam e onde se afastam.

II

O primeiro deles é também parte do Diário Crítico, e foi escrito em 10 de maio de 1949. Trata-se de um comentário à publicação de Arte, necessidade vital. Ali, Milliet – pensando a partir da posição de quem veio direto da Semana de Arte Moderna e passou por todas as aventuras e desilusões da luta modernista de primeira hora – anota sobre o surgimento do novo crítico: “a literatura estética brasileira é pobre. Os críticos raramente vão além da crônica diária e os nossos historiadores de arte estão mais interessados em geral na história do que na arte”. A observação é preciosa e ainda guarda, em nossa época, muito de seu valor crítico. Mas, no caso, guarda também um óbvio reconhecimento: o livro de Pedrosa é uma grande novidade. Ou seja, Milliet, que já havia estimulado os jovens de 30, que se tornou o “homem-ponte”, na expressão de Antonio Candido, entre a geração modernista e os primeiros acadêmicos “uspianos” (a nova crítica universitária dos chato-boys – na famosa expressão de Oswald de Andrade), também reconheceu Pedrosa como novidade na crítica moderna de arte brasileira, que a bem dizer, naquele momento, só ele mesmo representava.


(Foto adicionada no texto de Francisco Alambert por Luiz de Almeida)

Do livro, ele destaca dois textos: a conferência sobre Käthe Kollwitz e o ensaio sobre Calder. Milliet não poderia saber, mas de fato escolheu dois dos textos mais importantes do crítico, porque o ensaio sobre Kollwitz (uma conferência apresentada no CAM em 1933) é o primeiro estudo propriamente marxista de arte entre nós (e creio que era uma novidade em toda a América então)(3). E é justamente o que significa esse “marxismo” que Milliet irá discutir (o que naquela altura só ele mesmo poderia fazer, pois já havia estudado Marx quando adolescente em Genebra e Paris, iniciando uma intensa e tensa relação com o materialismo, o marxismo, o socialismo, que ele sempre defendeu afinal, como se pode ver em várias páginas de seu Diário Crítico). O texto sobre Calder é o primeiro de uma série que como se sabe irá definitivamente comprovar a excelência crítica de Pedrosa. Calder talvez tenha sido seu artista preferido e a quem dedicou uma reflexão mais aprofundada. Pode-se mesmo dizer, sem o perigo do exagero, que Pedrosa “descobre” Calder para o mundo e se usa disso para auxiliar a estabelecer sua própria teoria da arte moderna. Precocemente, Milliet acertou em cheio e, de uma certa forma, reconheceu seu sucessor.
Milliet, que freqüentava meio a distância as reuniões do pessoal do CAM, deve ter tido contato ou notícia dessa conferência na época. De fato, isso é dado a entender no próprio texto, quando começa dizendo que não acredita que o ensaio, naquele momento em que é publicado (1949), “reflita com fidelidade o pensamento atual do autor”. O título original da conferência do CAM era “Käthe Kollvitz e o Seu Modo Vermelho de Perceber a Vida”, depois mudado quando foi publicado em capítulos no jornal O Homem Livre e no livro citado para o definitivo “As tendências sociais da arte e Käthe Kollwitz”. Na opinião de Milliet, o texto é “demasiado ortodoxo no seu marxismo, ao mesmo tempo que um tanto quanto esquemático”. “Ortodoxia” e “esquematismo” são dois conceitos caríssimos à crítica millietiana. Veremos como esses dois temas irão retornar quando do debate sobre o abstracionismo.
Ainda assim, não questiona os dois grandes méritos de Pedrosa naquele momento: introduziu no Brasil a obra da grande gravadora e sobretudo foi o responsável por “iniciar em nossa terra uma crítica de fundo sociológico”. Milliet destaca a presença do pensamento marxista na crítica de Pedrosa, mas ressalta que ele foi aprofundado pela leitura do estudo de “Ernesto Grosse acerca das origens do fenômeno artístico”. Ou seja, para ele o marxismo não poderia ser, por si só, também uma teoria da arte. Isso é a primeira noção que irá unir os dois antípodas aparentes: o crítico cético (Milliet) e o engajado Pedrosa – pois este também, ao longo de sua produção, irá somar à formação marxista fundamental, usada com criatividade, idéias e obras vindas de caminhos completamente diversos (como por exemplo em seus trabalhos sobre forma inspirados na Gestalt). Sem nunca se tornar cético, como o ceticismo particular de Milliet, Pedrosa acabaria por concordar com a necessidade de, no campo da arte, preencher as lacunas da base materialista de formas particulares de entendimento estético que não cabiam na teoria. Pedrosa acabaria por se aproximar assim de Milliet.
Continuando seu comentário, Milliet toma uma citação de Wagner, usada por Pedrosa, em que o músico, no seu grande momento romântico-revolucionário, em pleno ano explosivo de 1848, afirmava que à sua época, a arte dos gregos “era conservadora porque se apresentava à consciência pública como uma expressão válida e adequada. Entre nós, a arte verdadeira é revolucionária, pois só existe em oposição aos valores geralmente admitidos”. Essa idéia, diga-se de passagem, será perseguida por Pedrosa ao longo de sua trajetória crítica. Em um texto bastante posterior ao período que estamos tratando, o crítico explicou melhor sua crítica ao ideal burguês conservador da idealização do passado grego: “o ‘milagre grego’ em arte é ideologia das burguesias ascendentes da Europa (italianas) e que atingiu também o próprio Karl Marx, inexperiente nessas matérias e altamente desconhecedor das descobertas arqueológicas e antropológicas do fim do século”(4). De um ponto de vista marxista crítico, essa idéia é compreensível e necessária, mas para um não marxista, ela provavelmente não faz sentido. Entretanto, Milliet concorda e interpreta a citação de Wagner com uma pergunta: “mas quererá dizer isso que a arte não revolucionária de nossa época seja menos social do que participante?”. Ou seja, a idéia do “social” também está no centro de suas preocupações.
Para o Pedrosa daquele momento, a resposta seria afirmativa, só a arte participante faria sentido. E mais: “a função social da arte decaiu. Abria-se a era do culto impessoal da forma”. Para Milliet era aqui que se manifestava o primeiro engano. Pois do seu ponto de vista, a função social da arte é permanente mas muda de sentido: ora é positiva, ora negativa. A arte positiva agrega indivíduos em “certos valores essenciais do grupo”. Já a negativa, é um “laço de resistência para as minorias ultrapassadas mas que ainda detêm o poder ou gozam de suficiente prestígio para manter-se mais ou menos coesas ante a pressão das maiorias”(5). A arte negativa é uma resistência das minorias contra a ditadura das maiorias. Aqui Milliet não pode resistir a deixar escapar uma ponta de aristocratismo (que ele compartilhava com Mário de Andrade), dizendo que o “requinte formal” é a segurança e a resistência desse grupo, através do qual “se fortalecem certas elites, como através de determinadas normas de vida se reconhecem e se unem os aristocratas”(6). Mas o importante no caso é que, em sua visão, o requinte formal não é um mero gesto vazio de significado (como na arte pela arte), mas é necessário à resistência e garante a mudança social, diminui a pressão das maiorias, conservadoras, e abre as portas para o novo surgir e se afirmar como uma nova força.
Nesse momento, a questão passa a ser então o conceito de “social” e o papel da arte na transformação de si mesma e do mundo de que é parte. Mário Pedrosa falava e militava em prol de uma arte socializadora. Milliet problematiza a questão e, em conseqüência daquela teoria do requinte formal como resistência, introduz a idéia de qualidade formal. Não importa tanto, e por princípio, o aspecto socializador da obra de arte mas sim, “do ponto de vista estético”, o que faz uma “obra de arte são suas qualidades formais. O que faz que a apreciemos ou não, é que pode ser a elevação do sentimento ou a função socializadora, segundo nossa posição na sociedade” (note-se que “qualidades formais” são diferentes de apreciação). Aqui, eis Milliet defendendo um peculiar “formalismo” contra Pedrosa, que depois será acusado a vida toda (injustamente) de ser justamente formalista! E embaralhando ainda mais os estereótipos, a certa altura, Milliet critica Pedrosa por haver em seu trabalho “insuficiente análise técnica”.
Já o ensaio sobre Calder deixa nosso crítico maravilhado. Diz tratar-se de um texto “amadurecido, sereno e penetrante”. Fica especialmente interessado na aproximação que Pedrosa estabelece entre Calder e os artistas chineses, na medida em que, como eles, o escultor consegue sugerir os volumes apenas pelo vazio que se define pelos contornos e pelas linhas.
Mesmo assim, continua apontando restrições de ordem técnica e histórica. Cobra de Pedrosa o aprofundamento na comparação de uma maneira interessante. Diz que a idéia de “desequilíbrio assimétrico” deve ser desenvolvida e questionada. Pois na interpretação de Pedrosa, ela serve para designar a escultura de Calder e ao mesmo tempo a substituição da figura humana por uma árvore (no exemplo usado pelo crítico pernambucano). A propósito disso, se sai com uma máxima bem sua, e que pode ajudar a localizá-lo no debate sobre a figuração-abstração de que tomaram parte ambos os críticos, geralmente vistos em posições opostas: “E não consistiu sempre a composição excelente em equilibrar planos e volumes desiguais mediante o estudo das proporções eufóricas? No fundo a figura pouco importa; o que vale são as linhas, reproduzam elas um homem ou uma árvore, ou formas imaginárias”.
Está em questão, portanto, a necessidade de uma pesquisa em torno das leis da forma (trabalho desenvolvido por Pedrosa, como se sabe, desde seus estudos sobre a Gestalt, por exemplo). Ora, se colocarmos essa mesma afirmação dentro do debate sobre a abstração, então poderemos ver que a posição de Milliet era complexa e um tanto dúbia, pois essa idéia desmente a necessidade da presença da figura para a definição da arte que nos “interessava” (pois essa era a questão central do debate), reafirmando uma vez mais a obsessão millietiana pelo rigor formal em detrimento do assunto.

III

(Sérgio Milliet dircursa no Congresso Brasileiro de Escritores - São Paulo, 1945 - Foto adicionada no texto de Francisco Alambert por Luiz de Almeida)

E é nessa mesma toada que, dois anos depois (já em 1951, ano da primeira Bienal de São Paulo, projeto que ambos irão abraçar), Milliet retoma novamente o comentário de um estudo de Mario Pedrosa, agora tratando de seu belo estudo sobre o livro de Roger Fry a respeito da questão da forma e da personalidade(7), texto que acabara de ser publicado pela revista Forma: “O que me interessa nessas páginas de Mario Pedrosa é a afirmação de que no campo mesmo da psicologia da arte ‘decidem, na apreciação da obra, as suas qualidades plásticas e formais’. O resto nada tem a ver com o fenômeno estético”.
Nesse momento, na visão de Milliet, estava claro que ele e Pedrosa, antes de estarem distantes, estavam muito próximos quanto ao que compreendiam como prevalência do formal como tema e conteúdo mesmo da obra de arte, compreendida como fenômeno estético (pois ambos eram capazes de reconhecer o interesse da arte como assunto e tema do ponto de vista da sociologia, da história, da psicologia, etc.).
Agora a “polêmica sobre arte abstrata” é encarada diretamente e Milliet traz Pedrosa para seu lado. E reafirma seu ponto de vista diante da questão da preeminência do formal sobre o assunto ou diante da representação imitativa. Dá como exemplo o “realismo socialista”, que curiosamente ele diz não combater “em tese”. Pois ele até poderia ter valor e vingar “se as obras de sua produção se assimilarem pelas qualidades estéticas que são as plásticas e formais”, se for, como certas obras de Jorge Amado que ele cita como exemplo, inteligentes, e não, como outras do mesmo escritor, meramente infantis “porque desperdiçando os valores indiscutíveis de uma bela idéia”. A “bela idéia” aqui é a chave, junto com a execução correta. Aqui, o cético Milliet confessa ser capaz de apreciar até mesmo o realismo socialista!
Se alinhando com o materialismo marxista de Pedrosa, reitera que a “arte se condiciona à estrutura econômica e portanto social. Mas a que reflete não é a que procura difundir a doutrina marxista. Esta se difunde apesar de seus artistas e por outros motivos que não a arte”. E agora, aquela teoria da história que marcou a visão de Milliet, já esboçada no outro comentário a Pedrosa e claramente inspirada num misto de marxismo e funcionalismo sociológico, volta a ser explicada com clareza:
“(...) a arte a serviço de uma doutrina só se justifica quando as velhas doutrinas já se acham destruídas. Então ela surge naturalmente a serviço da reconstrução e exprime o que uma grande maioria do povo sente e pensa. Antes desse momento ‘psicológico’, a arte social tem que ajudar a destruir, pela pintura trágica ou sarcástica da sociedade. Não lhe cabe ‘doutrinar’. Compete-lhe apenas ‘mostrar’”. Mas esse “mostrar”, função da arte engajada na destruição definitiva do passado ou na reconstrução programática do presente, só será atingido “se tiver as qualidades estéticas que fazem da literatice literatura, ou da tolice colorida uma obra de arte”. As proximidades e diferenças entre os dois críticos vão ficando mais claras, e as famosas voltas e viravoltas do raciocínio millietiano, tão típicas de seu ensaísmo de inspiração francesa(8), permanecem e acentuam esse jogo. Agora, surge uma reviravolta e o autor passa a expor que lhe parece ser o estado da questão em sua época:
“Na situação atual da arte, dois caminhos se abrem para o pintor: o da pintura pela pintura – abstracionismo – ou o do realismo. Vejo no abstracionismo uma evasão sem eco, uma pintura morta, portanto, embora com algum encanto e fantasia. Vejo no realismo construído à luz das lições do cubismo (composição) e do expressionismo, o caminho mais viável. Conquanto não se esqueça de que a arte só vale pelas suas qualidades estéticas...”.
No meu modo de ver, creio que se esclarece uma posição: o que Milliet chamou de “abstracionismo” aqui, ou seja, algo como a pintura pela pintura, está muito próximo do principal inimigo combatido pelo construtivismo de Pedrosa, que este detectou na voga internacional do tachismo. Milliet deixa claro que desconfia do realismo socialista mas preza a arte socializadora, que não se prende à figuração, mas reforça a seriedade na pesquisa e na composição estética. Até ai, Pedrosa assinaria embaixo. A questão é que o crítico paulistano via no abstracionismo, que Pedrosa defendia, os mesmos defeitos que este via no tachismo que combatia.
Ambos buscavam o “caminho mais viável”. Mas para que? Em que sentido? Para Mario Pedrosa, que levou essa questão adiante, para o “exercício experimental da liberdade”, para trazer ao mundo a liberdade conquistada pela arte em seu processo de superação e emancipação. Essa liberdade traria a sensibilidade necessária para um novo tempo, um novo homem que surgiria com a revolução socialista da qual a arte moderna era par(9).
Mas e para Milliet? Creio que nenhuma dessas idéias lhe seria estranha, mas seu ceticismo peculiar, porque engajado, preferia reter a euforia e desconfiar criticamente dessa explosão de otimismo e pregação que foi promessa de parte da arte moderna. Porém, tão engajado quanto Pedrosa, estava pronto a negar tudo o que lhe parecesse mistificação e engano, tudo o que pudesse retirar a arte e o homem daquele caminho de destruição/reconstrução do passado e do presente que ele acreditava ser função da melhor arte.
Para Pedrosa, voltando à idéia do primeiro texto de Milliet, só a arte negativa faria sentido. Para Milliet, que pensava o Brasil e as possibilidades de transformação aqui em outra chave, a arte deveria ser a um só tempo negativa e positiva. Construir mudando e mudar construindo. No fundo, esses dois críticos, o cético e o trotskista, queriam a mesma coisa: que a arte fizesse diferença no mundo que eles tanto esperavam.

NOTAS:

(1) – MILLIET, Sérgio. Diário Crítico. São Paulo: Martins/UDUSP, 1981, v. VI, p. 369. (Salvo contrário, as citações do autor a seguir remetem a esse mesmo texto de seu Diário Crítico;
(2) – CANDIDO, A. “O Ato Crítico”. In A Educação Pela Noite. São Paulo: Ática, 1986. O mesmo texto, com ligeiras manifestações, foi publicado como introdução ao primeiro volume dos Diários de Milliet. Cf. “Sérgio Milliet, o crítico”. In: MILLIET, Sérgio. Diário Crítico, v.1. São Paulo: Martins/EDUSP, 1981;
(3) – Recentemente publicado em ARANTES, Otília B. F. (Org.). Política das Artes. São Paulo: EDUSP, 1995;
(4) – Cf. “A Bienal de cá para lá”. In: ARANTES, Otília B. F. (Org.). Política das Artes. Op. Cit., p. 255, n.6. Sobre Marx e arte grega, ver: MARX, K. “Introdução”. In Para a crítica da economia política. São Paulo: Editora Abril, 1975 (Col. Os Pensadores), PP. 130131;
(5) – Aqui se manifesta um certo “antropologismo” que será marcante na composição teórica de Milliet, baseado numa dialética entre o grupo dominante e o marginal, fundamental para a tese desenvolvida em Marginalidade da Arte Moderna. Cf. “Marginalidade da Arte Moderna”. In: Pintura quase sempre. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1944;
(6) – Ver o irônico e o ambíguo aos pendores progressistas da “aristocracia paulista” em ANDRADE, M. “O Movimento Modernista”. In: Aspectos da Literatura Brasileira. São Paulo: Martins, 1974, 5.ed.;
(7) – MILLIET, Sérgio. Diário Crítico. São Paulo: Martins:EDUSP, 1982, v.VIII, PP. 144-145. As citações do autor a seguir vêm deste texto;
(8) Sobre esse assunto, ver, além do ensaio citado de Antonio Candido: CAMPOS, Regina M. Salgado. Ceticismo e responsabilidade: Gide e Montaigne na obra crítica de Sérgio Milliet. São Paulo: Anna Blume, 1996; Gonçalves, Lisberth Rebolo. Sérgio Milliet, Crítico de Arte. São Paulo: EDUSP, 1992; ALAMBERT, Francisco C. Um melancólico no auge do modernismo: Sérgio Milliet. São Paulo: FFLCH-USP, dissertação de mestrado, mimeo, 1991. SANTANA, Naum Simão de. A razão dos efeitos. São Paulo: Instituto de Artes da UNESP, dissertação de mestrado, mimeo, 2003;
(9) – Cf. ARANTES, Otília B. F. Mário Pedrosa: Itinerário Crítico. São Paulo: Scritta editorial, 1991.

Francisco Alambert. Professor de História da Cultura e História Social da Arte no Departamento de História da USP e crítico de arte.
Texto Publicado em Gonçalves, Lisbeth Rebollo (org.). Sérgio Milliet - 100 anos: trajetória, crítica e ação cultural. São Paulo: ABCA/ Imprensa Oficial do Estado, 2004. ISBN 85-7060-328-2, pp. 139-148.

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