quinta-feira, 30 de julho de 2009

GUILHERME DE ALMEIDA E O DISCURSO À BEIRA DE UM BERÇO

GUILHERME DE ALMEIDA
ENCERRA O MÊS DE JULHO
COM DISCURSO


Este será o último texto do Guilherme de Almeida a ser postado neste mês de Julho. No primeiro texto neste mês, mencionei que “Julho” era o mês especial para exaltarmos o Príncipe dos Poetas Brasileiros. Mas não consegui postar toda matéria que havia planejado. Faltou-me tempo.
A postagem que segue é um texto puramente reflexivo. Cenas similares são comuns nos tempos atuais. Homens e Mulheres, ao vivenciarem o nascimento do primogênito ou do décimo, décimo quinto, décimo... filho, e, ao admirarem o resultado da obra, promovem verdadeiras obras oratórias, outras verdadeiras discurseiras (estas, certamente, induzidas pela emoção da chegada do novo e amado ser). Eu mesmo fui um desses que deixei cravado um poema quando do nascimento dos meus dois últimos filhos, onde o primeiro nasceu, segundo o pediatra, 22 segundos antes do segundo. E, por já ser pai de duas meninas, quando nasceram os dois “machos”, na plenitude da minha “inexperiência” e juventude, aventurei escrever os versos de “Noviços”:

NOVIÇOS

(Aos: Erik e Wellington)

Trajem sempre a farda de militante
e construam a barreira da reluta.
Procurem pela sementeira gestante
e desengajem qualquer idéia recruta.

Expressem as diretrizes da liberdade
e divulguem o cunho da inovação.
Dilacerem a idéia de prosperidade
e delineiem o caminho da salvação.

Arrebatem: os meninos e os marginais
e os puros e os impuros e os ancestrais
e os sábios e os poetas e os cardeais.

E, como um exército, de verdade,
caminhem destruindo a contrariedade
e apregoem o regime único da liberdade.

E, com o passar dos anos, 23, percebo hoje que versejei imaturamente, pois nenhum dos dois seguiram o meu desejo paterno daquela época... Graças a Deus.
Bem, o que importa aqui é a beleza misturada com a sabedoria do Poeta Guilherme de Almeida ao redigir o texto “Discurso à beira de um berço”. Mencionei no início que o texto do Guilherme de Almeida a ser postado era puramente reflexivo. E não é somente isso. Ele traz em algumas palavras e em todas as frases, algo de sublime, de místico, de angelical, que interfere diretamente nas nossas vidas (pelo menos na futura atitude que se espera do descendente parido). O que vem de Guilherme de Almeida não nos possibilita a criação de nenhuma definição clássica. Ele não permite ficarmos deduzindo e procurando estilos, estéticas e conceitos. O Poeta apenas nos conduz a uma leitura galante, onde: refletimos e deixamos que as palavras e frases penetrem no âmago do nosso ser permitindo parir: lembranças, sonhos, lágrimas, sorrisos, deduções e deliberações.
Eis o texto, onde foi conservada a ortografia original.

(Luiz de Almeida)

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DISCURSO À BEIRA DE UM BERÇO
(Guilherme de Almeida)

(Imagem montada para o texto com a foto de Guilherme de Almeida em pose de discurso)


Êle estava debruçado sôbre a “moïse” de junco e túles, onde um novêlo tenro de carne côr-de-rosa mexia-se com uma dificuldade molenga e morna.
E o Homem Que Tinha Vivido falou assim ao Homem Que ia Viver:
- Peque fruto que vai amadurecer: fruto que veio da flor noturna de um beijo que se desfolhou em segrêdo... Escute! Daqui a pouco vai começar a desbotar-se tôda essa sua verde pureza. Haverá criaturas humanas que se empenharão em destruir a sua única memória do céu, os seus únicos vestígios divinos: o Instinto e a Intuição. Só essas duas sabedorias da espécie são capazes de explicar o Gênesis: “Deus fêz o homem à sua imagem e semelhança”. Imagem de Deus no homem: Instinto. Semelhança de Deus com o homem: Intuição. Isso será destruido pelos dois crimes que se chamam: Educação e Instrução. Educado e instruido, meu pobre semelhante, você começará, então, a estandardizar-se: a perder tôda a sua personalidade, a deixar de ser um todo interessante, para ser uma parte desinteressante perdida numa enorme e inútil insipidez: a Sociedade. “Animal social” (aristotèlicamente: “politikon zóon”), você vai encontrar, no seu meio, uma porção de homens que absolutamente não se conformarão, nunca, com a idéia de que, por um instante, no tempo, e em qualquer parte, no espaço, desta ou daquela maneira, por isto ou por aquilo, você possa ser feliz. Êsses homens são conhecidos pela designação de Moralistas. Então, dentro da moral dêsses homens, você vai compreender que a única maneira de ser honesto é ser rico, e que a única maneira de ser rico é roubar: e esforçar-se-á, extraordinàriamente, por ser honesto... Um dia, você encontrará no seu caminho uma mulher, que você achará “diferente” de tôdas as outras: e começará a destruir essa “diferença” por um processo de aniquilamento vulgarmente conhecido pelo nome de Amor. Ou cruzará com alguns senhores que dirão a você: “Meu amigo”, e passarão a provar que maneira mais eficaz e menos indecente de se explorar o próximo é a Amizade. Talvez você queira, então, desviar para uma grande coisa sagrada êsse amor e essa amizade: talvez você pense na Pátria. Para quê? – Para convencer-se, mas tarde, de que vale a pena ter-se uma pátria só para se poder ser estrangeiro em alguma parte... E é possível, afinal, que, pela Beleza, você tente libertar-se dos outros e de si mesmo: e você verá apenas o pobre escravo da Arte e da sua irmã gêmea, a Miséria... E, um dia, desencantado, você dirá, sôbre um berço, estas mesmas palavras que eu estou dizendo...

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**

Mas, na “moïse” de junco e túles, a criancinha côr-de-rosa sorriu, perfeitamente disposta a viver.

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Fonte:
ALMEIDA, Guilherme de. Diversos. Revista da Academia Paulista de Letras, São Paulo, nº 28, 12 de dezembro de 1944 – p. 5/6.

Um comentário:

  1. Neste teu oceano de palavras
    Lanço redes e
    Aprendiz me faço!!!

    Obrigada, Amigo Luiz!!!

    Beijos...
    No teu coração!!!
    Iza

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