domingo, 18 de abril de 2010

MENOTTI DEL PICCHIA: INTERSECÇÃO ENTRE GUILHERME DE ALMEIDA E CECÍLIA MEIRELES

A INTERSECÇÃO ENTRE:
GUILHERME DE ALMEIDA E CECÍLIA MEIRELES
POR
MENOTTI DEL PICCHIA
Guilherme de Almeida - Menotti Del Picchia e Cecília Meireles
(Fotos Reprodução e Montagem em MGI)


INTRODUÇÃO:

“Guilherme de Almeida e Cecília Meireles, exceleram. Não os chamo de Poetas, mas de Poesias”.
(Luiz de Almeida)


A poesia abala o leitor, o analista e o crítico. A arte poética é, para uma considerável classe de indivíduos, principalmente neste nosso país ainda (não sei até quando) debilitado, melindroso e ignavo: incompreendida e desprestigiada. Esta incompreensão e desprestígio no âmago dos labirintos da literatura brasileira parecem ser, infelizmente, inerentes. Basta lembrarmos que até Getúlio Vargas é um dos imortais da Academia Brasileira de Letras, como também é José Sarney, não podemos esperar muita coisa. Se temos uma Academia, como bem me disse o amigo Lustato Tenterrara: “Afinal, quanto não perdeu a Academia por ter preterido por 3 vezes a condecoração em desfavor de Mario Quintana? (...). E o que fez Mario Quintana? Mandou a Academia às favas, ora bolas”. O mesmo fez Drummond. (Cito somente esses dois entre muitos outros) - então, também não podemos sonhar que os Poetas nacionais sejam turibulados por um universo de leitores, analistas e críticos, como merecem. Afinal, poucos são aqueles que conseguem “entender” o significado contido que medra de cada palavra ou de cada versículo de um poema, pois muitos não possuem perspicácia suficiente para discernir o significado subliminar existente. Aí alguém pergunta:
- Quer dizer que poesia é para pessoas inteligentes?
Responde-se:
- Sim. Pelo menos um mínimo perspicacidade, pois os considerados portadores de ignobilidade não conseguem, cientificamente provado, discernir e vislumbrar o que está no contexto subliminar (Só a inteligência consegue decifrar o sublinear). E esse contexto subliminar é próprio somente da Arte da Escrita e das Artes Plásticas. Ambas apresentam “veredas” ocultas e imprevistas. A poesia, por sua vez, ganha vida, quando o Poeta consegue se anular completamente em detrimento da sua criação. O Poeta se suicida num isolamento cósmico e até místico para que a Poesia ganhe Vida. Na Vida da Poesia está, subliminarmente, embutida a Vida do Poeta e também a nossa. Precisamos é ter a capacidade da decifração.
Muitos discordam. A maioria aprova. Outros não entendem o intuito desse discurso. Mas é verdadeiro e necessário. Quem bem explica isso é Tristão de Athayde, que também transmite o significado de forma subliminar. (1):
- “A poesia só começa realmente a viver por si quando o poeta deixa de viver para si”. O que implica: se não conseguimos decifrar o que está embutido no âmago das palavras ou dos versos, não entendemos a Poesia, passamos a enquadrar o Poeta como um “escritorzinho” – ou seja, nos colocamos dentre os das camadas inferiores da cultura, da intelectualidade. Para não sermos taxados de elitistas, poderíamos dizer: estamos nos degraus mais baixos das camadas mais inferiores da capacidade de raciocinar. Nesta condição, não conseguimos fazer a intersecção entre o significado da palavra, do verso, do texto, do contexto, do autor. No mundo globalizado estaríamos enquadrados na camada dos que não conseguem “interagir”. Terrível isso. (Não sei o motivo que neste momento lembrei-me da pessoa do Presidente do Brasil... Meu Deus!).
Todo esse discurso apenas para apresentar outro texto de “intersecção” entre dois Poetas: “Guilherme de Almeida e Cecília Meireles”, escrito por Menotti Del Picchia, que, ao lê-lo, leva o leitor, seja ele um simples amante da Arte Poética, um mestre, um escritor, um analista ou um crítico, ao orgasmo mental. Não existe e não existirá um desses que, ao terminar de ler o texto menottiano, não feche os olhos e deixe-se levar pela emoção e pela reflexão, afinal, são dois ícones da nossa Literatura que possuem um magnetismo fortíssimo e atraem superlativos incomparáveis: Guilherme de Almeida, moderníssimo, até mesmo quando freqüenta os gregos (como mencionou Milliet e leremos noutro parágrafo abaixo); Cecília Meireles, moderníssima, mesmo que proveniente do simbolismo do grupo de escritores católicos e por meio das revistas Árvore Nova, Terra do Sol e Festa. Guilherme de Almeida e Cecília Meireles são os dois únicos Poetas que conseguiram transitar no Modernismo sem sofrerem restrições, pois conseguiram parir poemas líricos e outros desligados dos cânones fixos, mantendo métrica e ritmo sem destoarem do tempo – motivo que a estética de ambos são ainda estudadas e discutidas. Guilherme de Almeida e Cecília Meireles: “Duas pessoas que foram atraídas pela solidão e se deixaram sucumbir pela Arte Poética para que a Poesia produzida tivesse mais Vida, e nunca se importaram com badalações pessoais. Para os dois, o dia a dia era Poesia, somente Poesia. Deixaram a vida pessoal ser deglutida pela Arte Poética, motivo que até hoje suas obras são lidas, analisadas, estudadas e criticadas, tirando o sono de muitos mestres e exegetas da Literatura Nacional e Universal”. E, encerrando essa simplória análise pessoal sobre Guilherme e Cecília, peço licença aos meus amigos leitores para cravar minha humilde opinião num comentário também simplório: “Guilherme de Almeida e Cecília Meireles, exceleram. Não os chamo de Poetas, mas de Poesias”.
Quando há referências críticas e análises literárias, afirma-se, categoricamente, que: “o mais eficiente analista e crítico das obras de Guilherme de Almeida, sem dúvida nenhuma foi Sérgio Milliet”. E essa postura millietana não surgiu após a Semana de 22, quando Milliet ainda em França, já prestava aos versos guilherminos uma atenção toda especial. Como o texto que está exigindo esta longa introdução é sobre o livro Raça, do Guilherme de Almeida, ocasião em que Menotti Del Picchia faz a “intersecção” entre Guilherme e Cecília, para Sérgio Milliet, Raça foi o melhor livro e o mais lido de Guilherme de Almeida. No texto “Poesia” (2), Milliet, ao comentar o livro, demonstra todo seu carinho ao Príncipe dos Poetas:
- “(...). Guilherme é moderno mesmo quando freqüenta os gregos. E, principalmente, ele é poeta. Mais do que qualquer outro de nós, ele é construtivo na sua poesia. É arquiteto. Oswald e Mário criam materiais. Guilherme constrói casas, palácios, catedrais. Este poema, Raça, é sua melhor realização. É a catedral, depois dos bangalôs de “Meu”. Tecnicamente, é soberbo”.
No seu Diário Crítico, Vol. II (3), Milliet se desnuda ao comentar sobre Cecília Meireles, não diretamente utilizando os mesmos termos descritos no parágrafo anterior, quando analisa Guilherme de Almeida, por exemplo: “(...), ele é poeta”. A intersecção que Milliet faz com Cecília é similar e extremamente eloquente:
- “(...). E Cecília Meireles, que é a própria poesia”.
Mário de Andrade despiu-se da sua tecnicidade e se desmanchou de amor e, com palavras e frases repletas de carícias, declamou em carta datada de 13 de março de 1943, para a própria Cecília Meireles, o que significava para ele “Cecília Meireles”:
- “(...). Não houve, não há nem pode haver outra Cecília Meireles neste mundo. Parece até absurdo que Você ignore um fenômeno lingüístico chamado homofonia! Imagino bem que ceciliameirelizem por aí algumas nuvens inconsistentes, mas Cecília Meireles só existe uma Só, capaz de abençoar a beleza e a felicidade de uma rosa. É Você, tem de ser Você, não pode ser sinão Você. Ora minha amiga Cecília Meireles, completa, integral e exclusivamente Rosa Cecília Meireles, pois será que a sua modéstia errada lhe tenha escurecido tanto a psicologia a ponto de Você não imaginar que eu não tivesse imaginado nos acasos burlescos da homofonia!!! Eu! Eu – mim que já me vi ladrão de canos de esgoto! Mas as homofonias e os cacófatos só existem nos cérebros plácidos dos ginasianos e dos acadêmicos. Só existe uma Rosa, só existe uma Cecília, só existe uma Meireles, é a Rosa Cecília Meireles, uma e trina em minha adoração afetuosíssima. A quem devo a mais, neste momento, um favor. (...)”. (4).
Ainda ceciliameirelizando seria imperdoável não cravar uma afirmação de Amadeu Amaral (1875-1929):
- “(...). Cecília Meireles trazia em si a massa de que se fazem os grandes poetas, (...)”. (5).
Retomando:- Menotti Del Picchia (1892-1988), romancista, poeta, crítico, historiador, ensaísta, desenhista, pintor e escultor, não se furtou em tecer exaustivos comentários sobre a obra de Guilherme de Almeida. Foram companheiros que batalharam muito para a edificação do modernismo e também do pós-modernismo em São Paulo e no Brasil. Segundo vários especialistas do passado e do presente, colocam Menotti Del Picchia e Sérgio Milliet como dois dos maiores críticos e ensaístas do modernismo.
A obra de Guilherme de Almeida fez com que o Príncipe do Poetas colecionasse analistas e críticos. Não foram somente Milliet e Menotti que analisaram e criticaram, por exemplo, o livro Raça. Outros, muitos outros, tais como: Mário de Andrade, Jamil Haddad, Afrânio Peixoto, Tristão de Athayde, Agrippino Grieco, Paulo Bonfim, Antonio Cândido, Frederico Ozanam Pessoa de Barros, Maria Thereza Cavalheiro, Suzi Frankl Sperber, José Antonio P. Ribeiro (apesar de correr o incrédulo e nefasto risco de ter esquecido alguns outros, fico com esses, os mais apaixonados), compuseram ensaios, artigos, críticas e depoimentos que até hoje deixam alucinados os pesquisadores, mestres e, principalmente, os seguidores e perseguidores do Príncipe dos Poetas. No entanto, resolvi postar aqui a crítica elaborada pelo Menotti, pois ele menciona Cecília Meireles – dando assim sequência na postagem deste blog (de 10 de Agosto de 2009):


“A INTERSECÇÃO ENTRE: MÁRIO DE ANDRADE E CECÍLIA MEIRELES”, do Mário de Andrade:-


http://literalmeida.blogspot.com/2009/08/mario-de-andrade-e-cecilia-meireles.html

No texto que segue, Menotti consegue comentar o livro “Raça” e dissertar, comparativamente, Guilherme de Almeida e Cecília Meireles, numa intersecção pura e sutil.
Não é qualquer crítico, mesmo sendo um perito em Literatura, que consegue elaborar intersecção entre Poetas; afinal, não existiram e não existem críticos tão sabedores dessa metodologia quanto Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Antonio Cândido, Amadeu Amaral, Menotti Del Picchia, por exemplo. Por assim ser, o Blog Retalhos do Modernismo tem no rol dos seus objetivos primeiros, tentar apresentar aos seus ilustres leitores, textos que contemplem: ineditismo, reflexão, conjuntura, reconceituação e crítica. E sem mais nada a dizer, eis o mencionado texto do Menotti, redigido conservando-se a ortografia original:

RAÇA
(Menotti Del Picchia)

Guilherme de Almeida e Cecília Meireles foram dois marcos tipificadores da poesia brasileira desde o advento até êste crepúsculo do “modernismo”.
Guilherme, o incomparável artífice do verso – divino órafo d’annunziano – fundio no mais puro outro da língua o milagre lírico dos seus poemas. Transferiu e adaptou, numa luminosa ascensão, sua erudita carga clássica às invenções dos tempos novos como um dos mais brilhantes líderes da “Semana de Arte Moderna”. Sem se deixar seduzir pelos excessos a que, aliás, com imaginação e audácia, se entregavam seus companheiros, conservou uma dignidade formal policiada e exata, espelhando e acompanhando as mutações do mundo exterior sem, contudo, desnaturar seu mundo. Neste se encerrou o artesão vigilante e sábio a incrustar, numa linguagem sempre antológica, sua visão da paisagem, suas emoções e seu pensamento.
Nesse sentido foi, ao lado de Cecília Meireles – ela, porém, seu oposto – um dos maiores artistas da poética brasileira de todos os tempos. Cecília, realizando poesia pura, respirou a fluidez da sua forma na emoção do seu tempo. A espontaneidade da sua arte, isenta de qualquer estrutura que denunciasse seu noviciado numa escola, situa-a numa área lírica inédita e pessoal fundida na atmosfera do inefável. O universo da nossa história é visto, pelos dois grandes poetas – Romanceiro da Inconfidência, de Cecília, e Raça, de Guilherme – embora de igual altitude, com olhos e temperamentos diferentes. Cecília envolve o acontecimento numa ambiência de mágico lirismo. Guilherme, como um Rugendas, o recorta com forma, côr, movimento, tudo impregnado de alma.
Em Raça, Guilherme atinge um dos supremos instantes da sua arte e da nossa poética. O sentido épico do poema – tôda a alvorada de uma nação na esfervilhante formação poligenética da “Raça” – salta, expresso com tanta core, tanta violência, tão crua nudez que os versos se corporificam, ofuscam nossos olhos com faíscas de luz, retumbam nos nossos ouvidos com vozes e clamores como se estivéssemos diante de um cinemático e sonoro mural: o mural da gênese da nossa Pátria.

(Texto de apresentação de: Almeida, Guilherme de. Raça poema 2ª Ed. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1972 – Coleção Sagarana, Vol. Nº 88).

NOTAS:

(1) Athayde, Tristão de. Brasileirismo: in O Jornal, Rio de Janeiro, edição de 26/2/1926;
(2) Milliet, Sérgio. Poesia: in Terra Roxa, São Paulo, Ano I, Nº 1, de 20/1/1926;
(3) _____, Sérgio. Diário Crítico, Vol. II – Editora Martins & Edusp, São Paulo – 2ª Edição, 1981, p. 23;
(4) - Meireles, Cecília. Cecília e Mário – Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro – 1ª Edição, 1996, págs. 305/306;
(5) – Góes, Fernando. Panorama da Poesia Brasileira – Vol. V – O Pré-Modernismo – Editora Civilização Brasileira S.A. Rio de Janeiro, Exemplar Nº 0766, 1960, p. 127.
FONTES PESQUISADAS:

- Almeida, Guilherme de. Raça – Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro - 2ª Edição, 1972;
- Barros, Frederico Ozanam Pessoa de. Guilherme de Almeida – Literatura Comentada, Editora Abril Cultural, São Paulo – 1ª Edição, 1982;
- Bosi, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira – Editora Cultrix, São Paulo – 3ª Edição, 1997;
- Brito, Mário da Silva. Poesia do Modernismo – Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro – 2ª Edição, 1968;
- Candido, Antonio & Castello, José Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira, Vol. III, Modernismo – Editora Difel, São Paulo/Rio de Janeiro – 7ª Edição, 1979;
- Castello, José Geraldo. A Literatura Brasileira, Origens e Unidade – Vol. II – Edusp, São Paulo – 1ª Edição, 1ª Reimpressão, 2004;
- Martins, Wilson. A Literatura Brasileira, Vol. VI – O Modernismo – Editora Cultrix, São Paulo – 1ª Edição, 1945;
- Meireles, Cecília. Cecília e Mário – Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro – 1ª Edição, 1996;
- Milliet, Sérgio. Diário Crítico, Volumes II e IV – Editora Martins & Edusp, São Paulo – 2ª Edição, 1981;
- Ribeiro, José Antonio Pereira. Guilherme de Almeida, Poeta Modernista – Traço Editora, São Paulo – 1ª Edição, 1983;
- Hugo, Estenssoro & Mindlin, José & Lamego,Valéria. In: A Lira do Modernismo – Ensaio para a Revista Bravo nº 50, Novembro de 2001, págs. 58/67 – Editora D’Avila Ltda., São Paulo.

INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS:

1. Introdução: Luiz de Almeida;
2. Gravuras: Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida e Cecília Meireles (Google) – montagem MGI.jpg: Luiz de Almeida;
3. Lapidação da Introdução e Montagem: Márcia de Oliveira (Professora de Literatura e Letras – Fortaleza, Ceará);
4. Texto: Apostila “ESTUDOS SOBRE MENOTTI DEL PICCHIA” – Acervo da Biblioteca da Exposição RETALHOS DO MODERNISMO.
PROPAGANDA:
- Assista vídeo do YouTube: "Entrelinhas: Casa Guilherme de Almeida" - http://www.youtube.com/wach?v=lyKIjld44GU
-x-x-x-x-x-